Eu: Olá, senhor. Tudo bom? Está preparado
para votar? Dia de festa da democracia, hoje, em?
Senhor: Estou sim, com a ajuda de Deus.
Eu: Que bonitinho. Dá aqui seu RG e seu
título de eleitor e os resultados da sua última prova de sociologia e seu teste
psiquiátrico.
Senhor: O quê? Teste de que moço? Vije, meu
Deus, nunca ví isso não!
Eu: É, as leis mudaram, viu Senhor. Tem que
trazer tudinho. Se não, não vota. Se o senhor não tiver tudo em mão, vai ter
que voltar outra hora ou, se preferir, pode anular seu voto alí naquela
mesinha. É só preencher o formulário de Incapacidade
Democrática.
Senhor: Mas pelo amor de Deus, eu moro
longe, vou ter que ir até em casa para pegar tudo isso e nem sei se eu tenho
esse “coisarada” toda. Por piedade do Senhor.
Eu: Que Senhor? Você?
Senhor: Não, Deus!
Eu: Não o conheço. Sou representante de um
Estado laico.
Senhor: Então tú é ateu, né?
Eu: Não, queridão, eu tenho fé. Mas ela
fica da porta para fora. Aqui se faz política. Religião a gente pratica na
igreja, no terreiro, no templo, no assembleia de sei lá o que.
Senhor: Está entendido. Saquei a sua. Mas
eu vou votar hoje de qualquer jeito, você vai ver. Volto em duas horas. Me
espere!
Eu: Como o senhor quiser. Próximo.
(Duas horas e meia depois)
Senhor: Tá aqui, o moço. Toda a papelada
que você pediu. Teste de sociologia lá do terceiro grau (Ensino Médio) e o
teste psiquiátrico que eu consegui lá no posto de saúde depois de uma fila de
30 minutos. Fim do mundo isso, viu?! Posso votar agora?
Eu: Pode, não. Tenho que analisar toda a
papelada.
Senhor: PQP... vou sentar ali para esperar.
(05 minutos depois)
Eu: Senhor, por favor, vem aqui.
Senhor: Posso votar já?
Eu: Então, pode não. O senhor votou no
Pastor José na eleição passada, certo?
Senhor: É votei, homem muito bom, de
caráter com a vida ligada a Deus...
Eu: Tá, tá, tá... então, o senhor cagou!
Senhor: Como é que é? Eu o quê?
Eu: É isso mesmo, o senhor fez cagada,
votou no Pastor José lá da sua igreja. O sujeito foi acusado de desviar
dinheiro para obras de “caridade” que não eram bem caridade.
Senhor: Como é que tú sabe disso? O voto
não é secreto.
Eu: Então, era. Mas estava dando muita
cagada, gente que não endente antropologia defendendo direitos humanos, cantor
de brega tentando descobrir o que é ser político, senador mosca morta, entre
outros casos bem grotescos, viu.
Senhor: Sei?!
Eu: Então, aí, eles mudaram tudo. Se o
senhor tiver dúvida em relação às mudanças é só ler tudinho alí naquele
apostila.
Senhor: Peraí?! Só porque eu errei uma vez
não posso votar nunca mais?
Eu: Não é bem assim, Senhor. O senhor
poderá votar novamente em quatro anos. Mas antes, vai ter que fazer um curso de
antropologia, ciências sociais, história brasileira, geografia e economia.
Depois desse curso – que dura rápido, viu, coisa de dois meses, quatro vezes
por semana, exceto sexta, porque ainda
somos brasileiros – o senhor vai ter que fazer um teste. Se o senhor for
aprovado, ganhará o título de “Cidadão
apto a exercer a democracia”. Bonito, não?
Senhor: Mas o que é isso gente, isso não é
democracia. Não pode ter seleção de quem pode ou não votar. Tem coisa é errada
aí!
Eu: Pelo contrário. O senhor teve o direito
de votar em quem quisesse, votou errado e, por isso, colaborou para prejudicar
o País, a população e o desenvolvimento da economia. Agora, o senhor precisa
ser advertido e reeducado para exercer seu papel na democracia. Tipo dirigir bêbado,
sabe?
Senhor: Que porra é essa...
Eu: E digo mais, por esse teste de
sociologia aqui, o senhor também ia ser reprovado. Tem que saber qual a função
da política na sociedade, meu senhor. Tem que saber o papel de cada cargo
político. Deputado não é o homem que recolhe o dizimo, esse é o pastor. Tem
erro aqui, veja. Tá vendo?
Senhor: Tô vendo, tô vendo... Mas isso é
antigo, moço.
Eu: Se já era ruim há... deixa eu
confirmar... 20 anos, imagina agora? Não dá, né? Tem que voltar para escolinha,
senhor. Vai naquela fila alí e já se inscreve que hoje tá rápido.
Senhor: Escolinha? E onde é isso, gente?
Eu: Pois é, sabe onde ficavam as auto
escolas e CFCs, pois é, é lá. Os CFCs fecharam com a nova a reforma política.
Parece que perceberam que era tudo uma roubalheira e resolveram tornar o
processo mais eficiente. Agora você paga uma taxa de R$ 50, estuda o livro
sobre as leis do trânsito e faz a provinha. Se passar, vai para o teste
prático, com o seu próprio carro e em qualquer Detran. Ou seja, acabou essa
coisa de auto escola! Auto escola só ensina a dirigir e não se envolve com
resultado de provas. Para evitar problemas, sabe?!
Senhor: Gente, quanta mudança.
Eu: Pois é, senhor, já faz dois anos que as
coisas mudaram. Toda aquela safadeza política que inclui começar a campanha
para o próximo mandato com dois anos de antecedência, sabe, foi para o saco.
Aliança política? Foi para o saco. Gente sem conhecimento de leis, política,
ciências sociais, direitos humanos e economia? Foi para o saco e NÃO pode se
eleger até comprovar a capacidade de exercer cargos públicos.
Senhor: Onde eu estava que não vi isso tudo
acontecer?
Eu: O que o senhor lê?
Senhor: Eu assino Veja.
Eu: Aquela da capa em favor da venda de armas
à população civil.
Senhor: Acho que sim.
Eu: Tá explicado. Próximo.
Mauricio Miranda